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Poucas pessoas que observam a estrutura gigante erguida em uma área rural de Campinas, a 93 km de São Paulo, fazem ideia do que se trata. A construção circular e envidraçada lembra um shopping center ou as novas arenas de futebol brasileiras. Nem mesmo alguns funcionários do local sabem explicar o que é o Projeto Sirius, obra do governo federal estimada em R$ 1,8 bilhão.

“Até já me falaram, mas eu não sei te dizer. É melhor você perguntar para um cientista”, disse um operador de empilhadeira à reportagem da BBC News Brasil.

O Sirius, construído e mantido pelo Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), será a maior e mais avançada fonte de luz síncrotron, um tipo de radiação eletromagnética de alto fluxo e alto brilho produzida quando partículas carregadas, aceleradas a velocidades próximas à velocidade da luz, têm sua trajetória desviada por campos magnéticos.

Mas por que isso é tão importante e custa tão caro? De maneira simplificada, o Sirius, único no mundo, é um ultra-aparelho de radiografia que será capaz de analisar de forma detalhada a estrutura e o funcionamento de estruturas micro e nanoscópias, como nanopartículas, átomos, moléculas e vírus.

É como se os pesquisadores pudessem tirar um raio-x em três dimensões, e em movimento, de materiais e partículas extremamente pequenas e densas, como pedaços de aço e rocha, e até de neurônios. O aparelho será capaz de analisar os detalhes e funcionamento dos materiais de forma inédita.

Isso pode levar, por exemplo, à criação de uma bateria para celular que, quando carregada apenas uma vez, dure cinco anos.

Será possível desenvolver também plantas que necessitem de menos água para crescer e novos remédios para tratar doenças crônicas.

Tudo graças a um brilho superpotente produzido pela circulação de elétrons na velocidade da luz (cerca de 300 mil km/s). Isso possibilita que pesquisadores estudem até mesmo neurônios de seres vivos de maneira inédita, sem precisar “fatiá-los”, como é feito hoje. Por isso, o aparelho é tido como a grande aposta científica brasileira para as próximas décadas.

Hoje, o Brasil tem um acelerador de partículas chamado UVX que, segundo cientistas, já está defasado. O UVX também fica no CNPEM, no terreno ao lado do Sirius. A inovação no novo acelerador será expressiva: um processo que hoje demora horas para ser feito no UVX, por exemplo, será feito em poucos segundos no Sirius.

Para a construção bem-sucedida do Sirius, dezenas de cientistas e engenheiros estão há décadas dedicados ao desenvolvimento de fontes de luz do tipo síncrotron, que têm dimensões colossais, mas exigem uma precisão milimétrica.

COMO FUNCIONA O SIRIUS?

Localizado em um terreno de 150 mil m² – o equivalente a sete campos de futebol – o túnel principal por onde os elétrons circulam tem 518 metros.

A circulação constante das micropartículas é importante para gerar o feixe de luz síncrotron 24 horas por dia. Seu piso é feito de uma camada de 90 centímetros de concreto armado em cima de uma camada de quatro metros de terra compactada com cimento, e sob 13 estacas fincadas a 13 metros de profundidade no solo.

A área ainda é isolada do prédio principal por um vão para evitar vibrações externas.

A reportagem da BBC News Brasil visitou as instalações do Sirius, inclusive a área onde os elétrons vão circular em alta velocidade.

Um desnível de 0,5 centímetro nos mais de 500 metros de túnel pode desregular toda a circulação dos elétrons e interromper o funcionamento do Sirius, previsto para operar 24 horas. As paredes do túnel têm uma espessura entre 80 centímetros e 1,2 metro para impedir a propagação da radiação emitida durante a circulação dos elétrons.

Mas todo o processo começa numa sala ao lado desse corredor de concreto e encanamentos. Uma máquina gera os elétrons, que são acelerados por um conjunto de equipamentos até ele ser transferido para um segundo acelerador.

A ideia é “arrumar” os elétrons antes de eles serem desviados para o acelerador principal, onde são guiados por forças magnéticas geradas por centenas de ímãs que os fazem atingir a energia final de operação.

Ao longo desses 518 metros, os ímãs de alta precisão são posicionados de maneira a pressionar os elétrons para que eles fiquem cada vez mais concentrados.

Isso faz com que o feixe de luz que sai do acelerador de partículas, chamado de luz síncrotron, seja extremamente fino. Um fio de cabelo é 30 vezes mais espesso.

Esse processo, aliado à circulação de elétrons a quase 300 mil km/s, gera uma luz tão potente que é capaz de fazer uma radiografia detalhada até mesmo de um pedaço de rocha. Mas a precisão exigida na região do túnel é tão rígida que a temperatura do local não pode variar mais de 0,1ºC para mais ou menos.

QUANDO FICA PRONTO?

A conclusão da montagem dos aceleradores do Sirius está prevista para o final de 2018 e o início da operação, para 2019. Já a conclusão do projeto, incluindo 13 estações de pesquisa, é previsto para 2020.

Sua estrutura, porém, tem capacidade para abrigar até 40 saídas de linhas de luz. Cada uma delas com um feixe de radiação eletromagnética específico, como raio-x e ultravioleta. Cada um possibilita o desenvolvimento de estudos em diferentes condições.

O Sirius foi erguido com apenas 15% de peças e mão-de-obra trazidos de outros países. Algumas empresas brasileiras inclusive investiram em pesquisa para produzir alguns componentes. Os ímãs, por exemplo, foram desenvolvidos e construídos pela empresa WEG, de Santa Catarina, especificamente para o Sirius.

Outras 280 empresas nacionais estão envolvidas no fornecimento de peças e componentes.

QUAL A IMPORTÂNCIA DO SIRIUS PARA O BRASIL?

Com a inauguração do Sirius, o Brasil terá uma das mais avançadas ferramentas de pesquisa do mundo, segundo cientistas. Isso possibilitará que os pesquisadores do país possam desenvolver estudos com tecnologia inédita em diversas áreas, como saúde, energia, tecnologia, agricultura e meio ambiente.

Na saúde, poderão ser estudados vírus e bactérias para a descoberta de substâncias com potencial para dar origem a novos medicamentos e tratamentos. O diretor-geral do CNPEM e diretor do Projeto Sirius, Antônio José Roque da Silva, explica que o cérebro poderá ser analisado de acordo com os estímulos que recebe ou doenças que possui.

“(Será possível) entender doenças degenerativas ou problemas ligados ao cérebro. Para isso, eu preciso entender desde a escala de comunicação entre os neurônios, onde eles trocam os neurotransmissores, até chegar à organização espacial deles, como eles estão arrumados no cérebro e ver a diferença de um cérebro normal para um com doença”, afirma Silva.

No setor alimentício, poderão ser pesquisados alimentos e suas propriedades, visando o melhoramento, além do estudo de sementes e outras estruturas vegetais. Isso pode resultar no desenvolvimento de espécies mais resistentes à falta d’água e ataques de pragas.

Tudo isso por causa da qualidade e da potência do brilho da luz que sai nas estações. A física Liu Lin diz que é como se você conseguisse enxergar as micropartículas em sua constituição mais básica.

“É como se você passasse da TV antiga de tubo para uma ultra HD 4K. Fora que a luz produzida lá vai ter um grau de coerência maior. É como se você comparasse usar uma lanterna a um laser. É uma luz muito mais concentrada que faz toda a diferença”, afirma Lin.

Uma ferramenta tão moderna deve atrair pesquisadores estrangeiros para o Brasil. Como o Sirius é financiado por recursos públicos, qualquer cientista pode apresentar um projeto de pesquisa e, se aprovado, usar o acelerador de partículas brasileiro.

O diretor do Sirius diz que ele foi projetado para ser uma ferramenta na fronteira do conhecimento. Nas palavras dele, com o “que há de mais moderno do mundo, com tecnologia brasileira, feito por pesquisadores brasileiros, ajudando a sociedade brasileira a resolver suas questões de futuro”.

“Em pesquisa, é como se você estivesse andando por uma região com vales e morros. Dependendo do tipo de pergunta que você encontra, é como se você estivesse numa área com uma rugosidade pequena e conseguisse passar por ela a pé ou com um carro pequeno. Mas tem horas que eu vou me deparar com um grande vale. Nesse momento, ou eu tenho uma ponte para cruzá-lo, ou fico parado. O Sirius será essa grande ponte dos pesquisadores brasileiros”, explica o diretor do projeto.

Fonte: BBC News Brasil – com edição.

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