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IDENTIDADE DE GÊNERO, SEXO E ORIENTAÇÃO SEXUAL
São muitas as discussões que envolvem o público LGBTQ, entre eles acesso reduzido a direitos sociais, econômicos e culturais. Sexo, gênero, orientação sexual, intolerância e mercado de trabalho são temas que precisam ser discutidos, esclarecidos e entendidos para que o preconceito não continue sendo disseminado de modo inconsequente. De acordo com a psicóloga Brune Brandão Coelho, esses são temas que interferem na sociedade como um todo, haja vista que todo mundo possui uma identidade de gênero e uma orientação sexual, seja cisgênera ou trans, heterossexual ou homossexual.
Nossa história traz diferentes modos de enxergar o ser humano. Tendemos, com o passar do tempo e com as discussões cada vez mais em voga, a valorizar a singularidade e essência do indivíduo. O ser humano se transformou em um objeto de pesquisa no que se refere ao autoconhecimento.
De acordo com Brune, psicóloga com trajetória acadêmica desenvolvida na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), “temos que reconhecer os privilégios que cada identidade de gênero e orientação sexual possui e pensar em formas de compensar essa exclusão social mantida historicamente, é nosso compromisso nos comprometer com as populações à margem na construção de um mundo melhor para todos”.
Identidade de Gênero, sexo e orientação sexual
É importante compreender a identidade de gênero como uma categoria diferente da orientação sexual e que não apresenta uma relação causal com o sexo. Essas são palavras da de Brune, que, no doutorado em processo na UFJF, estuda os processos de subjetivação das pessoas trans diante das normativas sociais e históricas de gênero, tentando entender como o poder atravessa a constituição dos sujeitos, sejam eles de sujeição e/ou resistência.
“Compreender essa dimensão mais psíquica do poder nos permite repensar nossas concepções tradicionais da psicologia sobre a constituição dos sujeitos e suas identidades, de modo a localizar sua produção histórica, social e política. É entender como o meio nos produz, mas não de modo passivo, e sim dinâmico e contextual em sua dimensão política”, afirma
Para Brune, que também é trans, todas as pessoas, sejam elas travestis e transexuais ou não, constroem a sua identidade de gênero com base em suas experiências com o mundo social, de modo a encontrar um lugar que seja mais confortável para se autonomear.
“Gênero é a performance que as pessoas naturalizam ao longo de suas vidas nos seus processos subjetivos de constituição da identidade. A própria concepção de identidade, dentro da perspectiva teórica do feminismo construcionista, não é definida como uma categoria fixa, mas um modo em que os corpos encontram de construir uma coerência para suas performances, atos e comportamentos. O que temos, historicamente na sociedade moderna ocidental, é que algumas formas de identificação de gênero são consideradas legítimas e outras não”, destaca a psicóloga e conclui que “muito se busca uma base biológica para a expressão de gênero, tornando natural uma identidade que é uma construção social. Nesse sentido, desde a década de 1990, o feminismo queer problematiza o próprio conceito de sexo, de modo a defini-lo como um processo de regulação social que traz inteligibilidade para os corpos. Isto é, criamos padrões de configurações corporais binárias e tudo que foge dessa norma é considerado patológico. Sexo, então, diz da forma como nomeamos esses corpos com base em sua morfologia e naturalizamos, através das ciências biológicas e médicas, o que deve ser um corpo masculino e um corpo feminino. Os corpos à margem desse modelo binário, os chamados intersexuais (que carregam a antiga nomenclatura de hermafroditas), podem ser considerados como variantes dentro desse padrão, seja a nível hormonal, genital ou cromossômico. Já a orientação sexual representa a forma como essa pessoa orienta seu desejo e afetividade, de modo a constituir uma identidade sexual para si. Não consideramos orientação sexual apenas o que as pessoas fazem entre quatro paredes, mas a forma como a pessoa se coloca no mundo, visto que espera-se e naturaliza-se, mais uma vez com base na biologia, que todas as pessoas são heterossexuais”.
Legitimação e mercado de trabalho
Apesar de toda a discussão sobre as minorias e de, hoje, os temas relativos a gênero e sexualidade serem mais difundidos, muitas vezes de forma equivocada, a população LGBTQ ainda sofre no dia a dia e continua lutando pela garantia de direitos e igualdade. Os danos causados pela repressão e deslegitimação de identidade, através da lógica social e cultural heteronormativa podem afetar o indivíduo de forma intensa e deixar cicatrizes profundas.
“Muitas pessoas que fogem dessas normativas [comportar-se como homem ou mulher, casar (dentro da heterossexualidade) e ter filhos] sofrem violência física, psicológica, simbólicas e institucionais. Todo esse processo ainda causa adoecimento psíquico, em que as pessoas ou pagam com a própria vida, devido à violência nas ruas e dentro de casa, ou adoecem e podem chegar ao suicídio”, esclarece a doutoranda.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), em 72 países, ainda existem leis que criminalizam relações homossexuais e expressões de gênero. Apenas um terço das nações contam com legislação para proteger indivíduos da discriminação por orientação sexual e apenas cerca de 10% de todos os países têm mecanismos legislativos para proteger da discriminação por identidade de gênero.
Além da desigualdade em diversos âmbitos, se observarmos pesquisas e índices de empregabilidade da população LGBTQ, será possível notar a baixa diversidade, a homofobia e a repressão a sexualidade. Para a psicóloga, Brune, a maior dificuldade da população em questão é ter reconhecida suas identidades de gênero e sexuais como legítimas, de modo a respeitar seus nomes, uso do banheiro e com quem se relacionam.
“Por ainda existir no ideário brasileiro uma concepção forte de que ser LGBTQ é errado, pecado ou doença, as pessoas sofrem microviolências simbólicas e institucionais cotidianas que as impedem de, inclusive, ingressar no mercado de trabalho. E, quando ingressam, podem sofrer pressões psicológicas e tratamentos diferenciados por causa de seu gênero ou orientação sexual”, destaca.
O mundo acadêmico e cientifico
Muitos jovens LGBTQ saem de casa e deixam cedo a sala de aula, consequência da educação brasileira que não está tradicionalmente preparada para trabalhar a diversidade. Isso, aliado ao preconceito, traz resultados nada satisfatórios no que se refere ao desenvolvimento da formalidade profissional e desenvolvimento intelectual da minoria.
Para Brune, ser pesquisadora trans é um processo muito solitário. São poucas as pessoas trans que conseguiram resistir e chegar até a academia.
“Sinto-me privilegiada por ocupar esse espaço, visto que muitas não tiveram as mesmas condições financeiras e apoio familiar para entrar e se manter na universidade. O grau de escolaridade nos protege da transfobia e traz dilemas. É difícil para a gente se inserir e se manter nos espaços acadêmicos, mas, quando ingressamos, ele nos protege”, afirma a doutoranda.
Garantia de direitos, desafios e desconstrução
De acordo com a psicóloga temos um crescimento de debates políticos em que os direitos LGBTQ são considerados moedas de barganha e favores concedidos à essa população. Contudo, não se reconhece como a nossa sociedade privilegia as pessoas cisgêneras (aquelas que nasceram como uma configuração corporal condizente com a identidade de gênero expressada, ou seja, pessoas não-trans) e heterossexuais, visto que as pessoas à margem tem suas vivências invisibilizadas e suas demandas políticas não escutadas.
“Uma surpresa foi o provimento 73 do Conselho Nacional de Justiça sobre a regulação do processo de retificação civil para pessoas trans no Brasil, de modo a desjudicializar e desburocratizar o processo, a exemplo do que já ocorre na Argentina. Assim, a pessoa pode se registrar novamente com novo nome e gênero, alterando todos os documentos sem a necessidade de um juiz, médico ou psicólogo tutelar. Indo um pouco mais, em 2013, tivemos a regulamentação do casamento civil de pessoas do mesmo sexo, outro avanço no campo judiciário. Porém, o legislativo nacional e de várias cidades no Brasil querem retirar as discussões sobre direitos LGBTQ no campo da educação e da saúde, trazendo um retrocesso. O contexto é heterogêneo e, apesar de alguns avanços, não temos ainda estratégias efetivas de promoção da cidadania LGBTQ e combate da LGBTfobia, visto que o Brasil ainda é considerado o país que mais mata essa população no mundo”, destaca.
Portanto, a população ainda apossui muitos direitos a serem respeitados e a ciência e os meios de comunicação possuem papel fundamental no processo de reflexão e construção social, possibilitando seu público a compreensão de outras realidades humanas.
Para desconstruir padrões enraizados historicamente, reflete a psicóloga, Brune, “deve-se promover a desconstrução dos parâmetros de gênero e sexualidade dentro das escolas, formando cidadãos que de fato respeitem a identidade. Além disso, pensar em medidas de combate à LGBTfobia, como leis de proteção em caso de crimes, e de promoção da dignidade nos espaços em que essas pessoas circulam”.
II Semana Rainbow
De 09 a 19 de agosto acontece a II Semana Rainbow da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O evento faz parte do projeto de extensão “UFJF e Miss Brasil Gay: interface com a comunidade” e objetiva propor a discussão e fomentar os debates da população que vive à margem da sociedade.