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O relatório Gender in the Global Research Landscape, da Elsevier, indicou Brasil e Portugal como os países com maior porcentual de mulheres (49%) entre autores de artigos científicos entre as nações analisadas.

O relatório, com dados de 2011 a 2015, mostra um notável avanço no Brasil, uma vez que no período anterior, 1996 a 2000, apenas 38% dos autores de artigos eram mulheres. Somente a Austrália mostrou crescimento semelhante.

Apesar da boa notícia, no Brasil falta espaço para mulheres em cargos acadêmicos mais elevados, na liderança e coordenação da ciência. Das universidades federais, por exemplo, apenas um terço tem reitoras mulheres. Nas estaduais, o índice é ainda menor, segundo destacaram as pesquisadoras convidadas do Ciência Aberta no dia 1º de agosto. O programa é produzido pela FAPESP em parceria com o jornal Folha de S.Paulo.

“Pode parecer que se preocupar ou discutir gênero e ciência seja para melhorar a vida das cientistas. Não é isso. Discutir gênero e ciência é melhorar a forma como a ciência é feita”, disse a socióloga Alice Rangel de Paiva Abreu, professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretora do GenderInSite (Gender in science, innovation, technology and enginnering).

Também participaram do programa Márcia Barbosa, professora de física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Vanderlan Bolzani, professora titular do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e membro do Conselho Superior da FAPESP.

“Diversidade leva à eficiência. Estudo feito pela empresa da McKinsey, em 2017, mostrou que as empresas com maior diversidade na direção ganhavam mais dinheiro. O estudo concluiu que isso tem relação com a forma que resolvemos problemas, a partir da cooperação. Se em um grupo as pessoas forem diferentes, tiverem culturas diferentes, histórias diferentes, elas vão trazer melhores soluções. Dar espaço para a mulher não é só adicionar 50% da população. A adição da mulher vira uma multiplicação e o que será produzido no final vai ser melhor”, disse Barbosa.

De acordo com as pesquisadoras, o machismo é, além de tudo, ineficiente. Dessa forma, situações pouco operacionais – e que até já ganharam termos – como explicar algo óbvio ou que uma mulher já sabe (mansplaining), interromper desnecessariamente para que uma mulher não seja ouvida (manterrupting) ou se apropriar da ideia de uma mulher (bropriating) – permanecem comuns.

Outro problema levantado no debate foi o tratamento diferente dado a meninos e meninas desde a infância, em casa e na escola. É comum a noção de que o menino pode ser aventureiro e a menina deve ser contida. “Todos podem ser aventureiros, isso deve ser incentivado em casa e também nas escolas”, disse Bolzani.

As pesquisadoras defenderam que a transformação desse cenário para uma maior participação das mulheres em todos os níveis da ciência só será possível a partir de mudanças institucionais.

Um exemplo mencionado é o que está sendo feito na União Internacional de Física Pura e Aplicada (Iupap). No fim de 2017, a partir da constatação de que havia pouca participação de mulheres em todos os níveis de discussão da instituição, foi criado um comitêpara monitorar e aumentar a participação feminina.

Estabeleceu-se, inclusive, a meta mínima de 20% para a presença de mulheres entre os participantes das comissões consultivas. Entre 2015 e 2017, a média mundial de participação feminina nos eventos da instituição foi de 17% entre integrantes das conferências.

“Se dá trabalho e não leva prestígio, tem mulher. Se dá prestígio, não tem mulher. O porcentual de mulheres, em qualquer área, diminui à medida que se vai para o topo da carreira. Poder, em qualquer área, ainda é um atributo masculino. Porém, na área de exatas, e isso é universal, o porcentual de entrada das mulheres é menor. Que ingrediente é esse? O poder, porque a área de exatas ainda detém a manufatura econômica, tecnológica, que é fonte de dinheiro e ainda está na mão dos homens”, disse Barbosa.

Abreu comentou que é preciso trabalhar de maneira global a percepção de que a mulher deve estar presente em todas as áreas e etapas da ciência “Os países desenvolvidos têm políticas já implementadas que podemos estudar e decidir quais devem ser aplicadas no Brasil”, disse.

Bolzani destacou a necessidade de se produzir dados mais concretos e globais sobre o problema. “Temos apenas dados pontuais que não mostram a realidade como um todo. Mesmo que eles mostrem que avançamos nos últimos anos, não temos todo o quadro. É importante ter uma visão geral”, disse.

Abreu citou o programa STEM and Gender Advancement (SAGA), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que trabalha com indicadores da situação das mulheres e disparidades nos campos da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês).

“O Brasil não está nesse programa, mas poderíamos. Isso seria importante para saber como estamos nesses indicadores e ter um quadro geral do papel da mulher na ciência”, disse Abreu.

 

FONTE: Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP

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